por Poliana Lisboa (enquanto estavamos cobrindo a Semana de Comunicação aqui de Londrina, a estudante do quarto ano de Jornalismo da UEL, Poliana Lisboa, marcou presença na XII Semana Integrada de Comunicação, realizada em Maringá, e aceitou o convite do Londripost para contar o que rolou por lá. Confiram.)
Na redação de um jornal de interior, o telefone toca. Nenhum outro jornalista atende, sobra para você. Na linha, uma senhora questiona o motivo de faltarem notícias sobre a gripe A na cidade, como estão as investigações. Algum tempo de conversa e ela entrega: seu neto morreu de gripe A este ano, os pais ainda não superaram a perda, os brinquedos ainda estão como ele os deixou e no outro dia seria o aniversário de 6 anos do neto. Depois de quase meia hora no telefone, você vai sugerir a pauta para o editor. Mas, a proposta do editor não é de apurar as providências das autoridades, pelo menos não de início. Ele sugere usar o aniversário do garoto, como gancho e manchete no outro dia; fotografar os brinquedos da criança; falar sobre a dor desta família. O que você faria nesta situação. Pediria para uma família que ainda não superou esta perda para que exponha esta dor? A que custo? E, apesar de saber que a matéria chamaria atenção, isto é de interesse público?
A questão levantada por uma jornalista da cidade de Maringá, que viveu esta situação, serve para exemplificar o debate desta Semana Integrada de Comunicação que aconteceu entre a última segunda (26) e quinta-feira (29). Era o segundo dia de palestras e os três jornalistas da mesa-redonda, após tanto falar sobre ética e moral no jornalismo para combater a espetacularização negativa nos meios de comunicação, disseram que publicariam esta notícia e que o importante era o tratamento que a jornalista daria a ela. Mas será?
A espetacularização discutida nesta semana é uma expressão que estudiosos da comunicação usam para designar a configuração dos veículos de comunicação que prezam pelo espetáculo ou, como o jornalista José Arbex Júnior também chama de showrnalismo. Em termos práticos, a espetacularização da notícia é transformar tudo em show, em entretenimento.
Em seu livros, José Arbex Júnior conta que o grande marco da espetacularização aconteceu com a transmissão da Guerra do Golfo de 1991. Ela foi a primeira guerra a ter condições técnicas para ser transmitida ao mundo todo ao vivo, mas os ataques a Bagdá – na época uma capital de 4 milhões e 800 mil habitantes – mostravam uma guerra de vídeo-game, com imagens noturnas e bombas – em quantidade que equivaliam a uma bomba de Hiroxima por dia -, mas com nenhum corpo, apesar dos 100 mil mortos que teve. Neste momento, a transmissão jornalística serviu não para noticiar, mas para entreter, como se fosse uma peça de ficção.
Com três palestrantes de renome nacional – Leandro Fortes, da Carta Capital, Adalberto Piotto, da CBN e José Arbex Júnior, da Caros Amigos – e três jornalistas locais debatendo o tema, a XII SIECOM atraiu um público ainda pequeno se considerarmos que Maringá tem duas faculdades de jornalismo e tantos profissionais da área, sem contar os alunos da região – só em Londrina são três faculdades. Mas, a falta de público maior também deve ser explicado por este ser um assunto incômodo para os jornalistas. Pois navegar contra uma maré tão poderosa e que envolve tantos interesses políticos e econômicos não é desejo de muitos.
Leandro Fortes trouxe para os estudantes a blogosfera – o mundo dos blogs – como uma alternativa de denunciar os abusos da grande imprensa que transforma o drama dos outros em novela, por meio de um jornalismo cheio de juízo de valor, erros e vaidade. Para Fortes, o papel do jornalista é o de decodificador do dilema humano e de transformar os dilemas humanos em notícia, não em show, como ele é transformado por um jornalismo desvirtuado.
Fortes lembra que a espetacularização é a banalização do jornalismo, que aproveita a tendência humana “para sexo e coisas mórbidas”. Os blogs, neste contexto, surgem como um único veículo crítico, que abre espaço para comentários (enquanto os impressos colocam as poucas e selecionadas “Cartas do leitor”) e que pode desconstruir a grande imprensa.
Como exemplo desta importância, Fortes citou alguns exemplos: o caso Veja contra o jornalista Luís Nassif, que decidiu por conta própria discutir os métodos de trabalho das grandes empresas de comunicação; o caso Folha de S. Paulo e a ‘Ditabranda’, que gerou manifestação contra o jornal e fez com que o Ombudsman da Folha passasse a verificar a produção on-line do jornal; o caso da ficha falsa de Dilma, descoberto por um leitor em um comentário de blog; caso Lina Vieira, com versões desmentidas; e Blog da Petrobrás, que, como uma reação às notícias contra a instituição, passou a publicar na íntegra as perguntas e respostas de entrevistas para que o público pudesse verificar a manipulação e passou a responder na hora as críticas dos leitores.
LUIS NASSIF – http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/
DITABRANDA – http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=3462
FICHA DILMA – http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=534IMQ011
LINA VIEIRA – http://www.visaopanoramica.com/2009/08/25/lina-vieira-dilma-rousseff-e-uma-histria-mal-contada/
PETROBRAS – http://www.blogspetrobras.com.br/fatosedados/
Todos exemplos de Fortes apontam para esta transformação que a blogosfera está impondo à grande imprensa, não só em âmbito nacional, mas também regional, afinal, cidades interioranas correm risco maior de ficarem à mercê de monopólios de comunicação. Os blogs regionais são alternativas para o público manter-se informado e mais crítico.
Já Adalberto Piotto, jornalista da CBN, atentou-se aos processos de construção da notícia para que o jornalista não caia na espetacularização. Para ele, a notícia tem as seguintes etapas: tratamento , depuração, avaliação, verificação, constatação, formatação, divulgação e continuidade. Destes, os que merecem maior cuidado são a depuração dos dados e a continuidade da denúncia, porque, como lembra Piotto, o tempo para a notícia é reduzido, então é necessário que o jornalista escolha um ponto e insista. Ainda mais porque o que o denunciado quer é que o jornalista esqueça dele.
Piotto também destacou algumas teses de interesse político que tentam ser vendidas como notícia e que foram compradas por muitos jornalistas. Uma delas é a de que o Brasil se saiu bem da crise, mas a comparação, destaca Piotto, é sempre feita com países mais desenvolvidos, que mesmo tendo sofrido mais – proporcionalmente – com a crise, mantém elevada qualidade de vida: “A gente perdeu um pouco menos, mas ainda está pior”.
Para o jornalista, a propaganda governamental é a mesma da Ditadura Militar e do nazismo, afinal, todos aprenderam com este último e utilizam o mesmo instrumento de manipulação. Mas lembra, “propaganda tem limite”. Ele crê que o desafio que o jornalismo tem pela frente ainda é a criação de um país e da identidade do povo, visto que, atualmente, o brasileiro sente orgulho apenas do carnaval e do futebol.
O jornalista e professor universitário José Arbex Júnior atraiu na quinta-feira um público pequeno comparado com a quantidade de considerações que tinha sobre a espetacularização. Arbex, que em 1992 chegou a ganhar 100 salários mínimos na Folha de S. Paulo, deixou a grande imprensa pela imprensa “alternativa”, mas acredita que há como fazer um trabalho sério em grandes veículos. Ele lembra que as dificuldades da imprensa alternativa não são maiores do que as da grande imprensa, uma vez que em um país com 200 milhões de habitantes, todos os jornais somam a tiragem de apenas 4 milhões de exemplares.
Com dados da ONU, MEC, FAO e outras fontes oficiais, Arbex utilizou exemplos de manipulação da imprensa nacional para alertar aos estudantes para que se mantenham informados e críticos quanto ao que ela está noticiando. Após discutir a questão de bases americanas que o presidente Álvaro Uribe da Colômbia queria em seu país, oficialmente para combater o narcotráfico, Arbex tocou no ponto sensível da imprensa brasileira – as notícias a respeito do Movimento dos Sem Terra.
BASES – http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=132&iditens=311
Em oito de março de 2006, mulheres do MST entraram no laboratório da empresa Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul e destruíram pesquisas científicas – “o que não se faz, um absurdo”, ironiza. Mas esta mesma imprensa que deu tanto espaço para este “ato de vandalismo”, não noticiou quando esta mesma empresa forneceu equipamentos para a Polícia retirar, violentamente, índios da costa do Espírito Santo.
CASO ARACRUZ – http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Berger.pdf
E neste caso da destruição dos laboratórios da Aracruz, também não foi noticiado que a empresa já vem plantando florestas de eucalipto nos pampas gaúchos, plantações da Aracruz que foram proibidas por outros países. Mas embaixo dos pampas, lembra Arbex, há a maior reserva de água doce do mundo, o aqüífero guarani, e com esta abundância de água as plantas cresceriam em cinco anos o que em condições normais levariam 12 anos.
Aí o jornalista questiona: “mas por que isto não saiu na Folha de S. Paulo, no Estado de S. Paulo, nos grandes veículos?” Ele mesmo responde: “E quem você acha que fornece papel-jornal para eles?”
A ocupação, mais recente, da fazenda da Cutrale também escondeu parte – se não toda a verdade. Apesar de a fazenda já ter sido invadida outras vezes pelo MST, nesta virou um escândalo. O movimento foi acusado de depredações e roubos, mas a ocupação estava sendo fotografada para a polícia e nenhuma foto dos atos a respeito dos quais o MST estava sendo acusado surgiu. Em entrevista à Folha de S. Paulo, João Pedro Stédile – líder do movimento – exigiu a constituição de uma comissão para verificar o que houve, mas a declaração não teve destaque.
CUTRALE – http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=133&iditens=375
http://pub.jornalpequeno.com.br/2009/10/13/Pagina124748.htm
Enquanto isto, o movimento tornou-se mais uma vez o “bandido”, exatamente na época em que estava lutando e quase conseguindo que fosse revisto o índice de produtividade da terra. Mas de quem é o interesse que o índice de produtividade da terra continue o mesmo de 1975, pois se for aplicado um novo índice, muitas terras hoje consideradas produtivas passarão a ser consideradas improdutivas e, de acordo com a Constituição Brasileira, passível de reforma agrária.
Aproveitando o exemplo, Arbex desafia o estudante de comunicação a elaborar três mapas do Brasil: dividido de acordo com os donos das terras, de acordo com os donos dos meios de comunicação e de acordo com quem está no congresso nacional. Os mapas se coincidem – afirma Arbex – “eles controlam isto aqui como se fosse fazenda deles.”
Foram tantos exemplos durante esta semana e tantas questões envolvidas que é quase impossível discutir em um texto só. O ideal seria que todos os brasileiros tivessem acesso a uma discussão como esta, mas se isto é muito difícil, bastaria que os profissionais e estudantes de comunicação participassem de debates como este, pois se eles – privilegiados que são – não forem críticos em relação à grande imprensa, quem será?
Então fique mais atento para o que assistir no telejornal às 20 horas. Tente estabelecer os limites da notícia e do show, o showrnalismo.
ADALBERTO PIOTTO – http://adalbertopiotto.wordpress.com/sobre/
LEANDRO FORTES – http://brasiliaeuvi.wordpress.com/
JOSE ARBEX JUNIOR – http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php
As informações sobre a empresa/laboratório Aracruz e sobre o MST me surpreenderam. Após a leitura, fiquei refletindo sobre como nos deixamos levar pelo jornalismo manipulador, parcial e leviano da grande mídia. Parabéns à repórter que cobriu o evento em Maringá.
Obrigado!
Também agradecemos a citação!
Bom trabalho a todos vocês!
Abração!
[…] E foi exatamente o que aconteceu. Ao preparar-me para responder alguns comentários, deparei-me com um “pingback” que me levou a outro blog onde era relatado um importante encontro de jornalistas e estudantes de jornalismo no sul do país: A XII Semana Integrada de Comunicação, realizada em Maringá – PR. O Visão Panorâmica teve um de seus artigos citado (LINA VIEIRA, DILMA ROUSSEFF E UMA HISTÓRIA MAL CONTADA) como parte da palestra de Leandro Fortes – o mundo dos blogs – como uma alternativa de denunciar os abusos da grande imprensa. (Leiam sobre o o evento aqui) […]
Aradeço a citação do artigo do Visão Panorâmica e a possibilidade de ler sobre o que foi debatido nesse importante encontro.
Um abraço a todos.
Cara Poliana,
Nós, do Londripost, gostaríamos de agradecer você por atender nosso pedido e escrever esta reportagem especial ao Blog.
A descrição das palestras está muito bem elaborada e, apesar de, como você mesma disse, ser quase impossível contar tudo que foi citado, conseguimos ter uma idéia geral do que foi tratado.
Obrigado novamente pela colaboração e saiba que sempre seu material será bem-vindo em nosso blog.
Abraços,
Vitor Oshiro – Editor/Londripost